16 março 2009

Que viva la música

de Andrés Caicedo


Uma pessoa é a trajetória que faz tratando de recolher as migalhas do que um dia foi suas forças, largadas por aí da maneira mais vil, quem sabe aonde, ou dirigidas a quem não merecia recebê-las (nunca voltar para buscá-las). A música é o trabalho de um espírito generoso que (com esforço ou não) reúne nossas forças primitivas e nos oferece-as, não para que as recuperemos: para deixar constância de que ali ainda andam, as pobrezinhas, e eu lhes faço falta. Eu sou a fragmentação. A música é cada um desses pedacinhos que antes tive em mim e os fui desprendendo à própria sorte. Eu estou ante uma coisa e penso em mil. A música é a solução que eu não enfrento, enquanto perco tempo olhando outra coisa: um livro (no qual não consigo avançar duas páginas), a fenda de uma saia, o vão de uma grade. A música também me faz recobrar o tempo que perco. Eles me mostram, os músicos: quanto tempo, e como e onde. Eu, inocente e nua, sou simples e amável escuta. Eles levam as rédeas do universo. Para mim, com gentileza. Uma canção que não envelhece é a decisão universal de que meus erros foram perdoados.

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